Niassa & Nampula, Moçambique — Em Moçambique as ideias tradicionais sobre masculinidade podem por vezes enfatizar a autoridade, o domínio e o controlo. No entanto, está a surgir uma mudança decisiva: homens de todas as idades estão a dar um passo em frente para promover o respeito, a empatia e a parceria. Através de diálogos comunitários, programas de envolvimento de jovens e iniciativas de prevenção da violência baseada no género, os estereótipos nocivos sobre os papéis masculinos estão a transformar-se.
Moçambique enfrenta ainda desafios significativos relacionados com a violência baseada no género (VBG), incluindo a violência entre parceiros íntimos, agressões sexuais e uniões prematuras ou forçadas. No entanto, o envolvimento masculino na discussão de causas profundas tem vindo a transformar as normas sociais em torno da masculinidade que a associam ao poder e controlo. Nas províncias de Nampula e Niassa, no norte do país, através do projecto Construindo Resiliência para Mulheres e Raparigas no Norte (no âmbito do programa ResiNorte) e do Programa Global para Eliminação das Uniões Prematuras (GPECM, na sua sigla em Inglês) o engajamento de homens e rapazes têm vindo a ser essenciais para a construção de uma masculinidade positiva no país, visando comportamentos que perpetuam a violência baseada no Género e as uniões prematuras.
Um efeito cascata para a mudança
As uniões prematuras continuam a ser um desafio premente em Moçambique, violando os direitos e a autonomia de milhões de raparigas. Com uma das mais altas taxas de uniões prematuras a nível mundial e a segunda mais alta na África Oriental e Austral, a prática é alimentada pela desigualdade de género, pobreza e normas culturais enraizadas. As uniões prematuras roubam às raparigas a sua infância, educação e oportunidades, ao mesmo tempo que as expõe a graves riscos de saúde e a gravidezes precoces. Apesar destes desafios, Moçambique deu passos positivos ao adoptar a Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras (2019). Este marco legislativo representa um passo significativo no sentido de salvaguardar os direitos das raparigas e capacitá-las para terem vidas mais saudáveis e gratificantes.
A promoção de masculinidades positivas e de sessões de envolvimento masculino é uma abordagem estratégica para prevenir e reduzir a VBG, uma vez que a mudança de normas de género prejudiciais é essencial para um impacto duradouro. As ideias tradicionais de masculinidade podem reforçar os ciclos de violência e desigualdade. O UNFPA trabalha para encorajar os homens a tornarem-se aliados na protecção dos direitos das mulheres e raparigas, ajudando a criar comunidades mais seguras e solidárias. Através destas sessões, os homens e os rapazes participam em diálogos comunitários e em acções de orientação, aprendendo a assumir papéis saudáveis e não violentos e a rejeitar estereótipos prejudiciais.
Este programa sensibiliza muitas pessoas, não apenas os jovens, mas também muitas das gerações mais velhas.
Os adolescentes e os homens lideram esta mudança, encorajando-se mutuamente a actuar como parceiros solidários, irmãos, filhos, amigos e pais. A Kutenga, uma Organização da Sociedade Civil e parceira do UNFPA no Programa Global para Eliminação das Uniões Prematuras, promove papéis não violentos e igualitários. Derivada de línguas locais faladas no Norte de Moçambique, como Makua e Emakhuwa, a palavra “Kutenga” significa “estar alerta” ou “assumir responsabilidades”. Este termo culturalmente ressonante simboliza um apelo à acção, instando homens e rapazes a proteger e promover a igualdade e os direitos do género. Constrói uma rede de mentores masculinos que chegam aos jovens rapazes e às gerações mais velhas, criando um efeito cascata para a mudança.
Pedro da Conceição Manuel, representante da Kutenga em Nampula, viu o programa expandir-se de 45 para 75 mentores, chegando a áreas remotas. “Este programa sensibiliza muitas pessoas, não só os jovens, mas também muitas das gerações mais velhas”, partilha Pedro.
Da mesma forma, através das Organizações da Sociedade Civil que fazem parceria com o UNFPA, como a Girl Child Rights (GCR), os mentores enfatizam papéis de respeito, empatia e apoio, envolvendo homens e rapazes como aliados activos, transformando a masculinidade numa força para a resiliência da comunidade.
Estas sessões vieram numa fase em que eu precisava verdadeiramente delas. Aprendi lições de ouro. Agora compreendo a importância de comunicar melhor e de resolver conflitos pacificamente. Conhecer o meu papel na sociedade mudou a minha vida.
Galileu Papo-Seco Paconete, um mentor da Girl Child Rights, trabalha em Mecula, Niassa, desde 2017, onde vive com a mulher e dois filhos. Vindo de um lugar onde o domínio masculino era frequentemente visto como a norma, a mudança de perspetiva de Galileu inspira agora os homens à sua volta, incluindo o seu filho, que também participa nas sessões. O seu percurso noengajamento masculino e na masculinidade positiva começou quando viu uma oportunidade publicada num hospital e decidiu candidatar-se. "Estas sessões vieram numa fase em que eu precisava verdadeiramente delas. Aprendi lições de ouro”, partilha. A formação mudou a sua perspectiva sobre a comunicação e a resolução de conflitos. "Agora compreendo a importância de comunicar melhor e de resolver conflitos de forma pacífica. Conhecer o meu papel na sociedade mudou a minha vida”, partilha Galileu. Agora, empenhado em partilhar estas mensagens, Paconete baseia-se nos seus conhecimentos, nas suas experiências como mentor e nas lições que adquiriu para chegar a mais pessoas, especialmente em zonas remotas.
Quebrar o ciclo
As normas culturais em Moçambique limitam frequentemente as oportunidades das raparigas, confinando-as a papéis domésticos. De acordo com o Censo de 2017, o analfabetismo entre as mulheres rurais é de 62%, e 45% das raparigas em idade escolar nunca frequentaram a escola, restringindo as suas oportunidades para além dos papéis agrícolas tradicionais e perpetuando ciclos de pobreza e desigualdade. As mulheres desempenham um papel significativo nas actividades rurais, particularmente na agricultura, onde as oportunidades de emprego são mais acessíveis em comparação com as áreas urbanas. Embora as mulheres constituam 51% da população de Moçambique, elas enfrentam desafios significativos, particularmente nas regiões rurais. Quando os seus pais, os membros masculinos mais velhos da comunidade e os líderes defendem a educação e os direitos das raparigas, isso permite que as raparigas tenham acesso a oportunidades educativas e económicas, contribuindo, em última análise, para o desenvolvimento da comunidade e para quebrar os ciclos de pobreza.
Hoje gosto de estar com homens jovens porque lhes posso ensinar coisas boas sobre como tratar as mulheres com respeito.
Elias Dariane juntou-se ao grupo de engajamento masculino em Marrupa, na província do Niassa, para compreender a violência doméstica e encontrar formas de contribuir positivamente em casa. “Não sabia que podia ajudar as mulheres nas tarefas domésticas”, reflecte, reconhecendo as normas culturais relacionadas com os papéis de género que em tempos aceitou. Agora, orgulha-se de se trabalhar com homens mais jovens, orientando-os no sentido de tratarem as mulheres com respeito. “Hoje gosto de estar perto de jovens porque agora também lhes posso ensinar coisas boas sobre como tratar as mulheres com respeito”, partilha Elias.
Esta mudança geracional promove ambientes mais seguros. Com uma rede crescente de mentores e defensores, a masculinidade positiva está a ajudar a criar um futuro onde as raparigas moçambicanas podem crescer livres de violência e uniões prematuras. A jornada de Moçambique para acabar com a VBG e as uniões prematuras está longe de estar completa, mas a dedicação de homens e adolescentes está a transformar as comunidades e a construir uma base para uma igualdade duradoura. Ao abraçar a masculinidade positiva, os participantes desafiam as normas que outrora apoiavam a violência, redefinindo o que significa ser um homem na sociedade moçambicana - uma conversa, um mentor e uma comunidade de cada vez.
Programa Global para Eliminação das Uniões Prematuras, liderado pelo UNFPA e pelo UNICEF, trabalha para eliminar as uniões prematuras através da capacitação das raparigas, da transformação das comunidades e da promoção de políticas de apoio. É generosamente financiado pelos Governos da Bélgica, Canadá, Itália, Países Baixos, Noruega, Reino Unido e Estados Unidos da América, juntamente com a União Europeia e a Zonta International.
Construindo Resiliência para Mulheres e Raparigas no Norte, um projecto no âmbito do programa Resinorte, financiado pela União Europeia, reforça a resiliência entre mulheres, raparigas adolescentes e jovens afectados por conflitos no norte de Moçambique. De 2023 a 2025, o ResiNorte pretende melhorar o acesso à Saúde Sexual e Reprodutiva (SSR) que salva vidas e abordar a violência baseada no género (VBG). O programa capacita as mulheres economicamente, oferecendo formação profissional e oportunidades de microfinanciamento para promover a igualdade de género e o desenvolvimento sustentável em regiões afectadas por conflitos como Cabo Delgado, Niassa e Nampula.