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Por Andrea M. Wojnar, Representante Residente, UNFPA Moçambique

A menstruação deve ser uma parte normal e saudável da vida de uma mulher, mas para muitas raparigas e jovens, a menstruação pode ser uma luta mensal. Antes da pandemia, mais de 500 milhões de mulheres e raparigas em todo o mundo não possuíam os meios necessários para gerir o seu ciclo menstrual, também conhecido como “período de pobreza”, o que cria barreiras à saúde, educação e oportunidades de sucesso.

Essas dificuldades são agravadas por emergências humanitárias, como ciclones e pandemias, ambas impactando negativamente mulheres e raparigas vulneráveis em Moçambique, um país que está a trabalhar para achatar a curva do COVID-19 enquanto se recupera de dois ciclones maciços que devastaram as regiões centro e norte do país no ano passado e dos quais as pessoas ainda estão a lutar para se recuperar.

O COVID-19 agravou as desigualdades pré-existentes, a discriminação e a marginalização de mulheres e raparigas de várias maneiras. A pandemia e a resposta a ela dificultam o acesso à água, saneamento e produtos menstruais devido à permanência em casa - restrições do “fica em casa”, perda de renda, disponibilidade limitada ou inexistente de estoques, principalmente para mulheres e raparigas que vivem em comunidades pobres e marginalizadas, áreas de reassentamento de pessoas deslocadas e aquelas com necessidades especiais ou deficiências (UNICEF, 2020).

Em meio a esses desafios, algo tão comum quanto a função corporal natural de um período mensal que é vivido por metade da população mundial não deve aumentar a carga do estresse, nem trazer com ele vergonha, complicações de saúde e estigma.

Itens contidosnos kits de dignidade distribuídos pelo Governo de Moçambique
©Alexandre Muianga/UNFPA Moçambique

Fátima Hassan, uma adolescente de 16 anos, fugiu no mês passado para cidade de Pemba com a mãe para escapar de ataques violentos. Agora a morar num lugar seguro, ela foi uma das 300 de mulheres e raparigas que participaram de uma sessão de prevenção e controle do COVID-19 e receberam um "kit de dignidade" feminino. Esses kits, que contêm itens de higiene e proteção - que vão desde pensos de menstruação laváveis e roupas íntimas até apitos e luzes - não apenas apoiam a saúde pessoal de uma mulher ou rapariga, mas também ajudam a mitigar os riscos de Violência Baseada no Género (VBG), pois contêm informações sobre serviços de VBG, incluindo onde e como aceder ao apoio. Pesquisas de campo sobre os kits de dignidade descobriram que o valor dos kits é mais do que apenas itens materiais; eles não só ajudam a promover a saúde e o bem-estar de uma mulher ou rapariga, mas trazem de volta a auto-dignidade - um atributo pessoal que é vital em tempos de crise.

A pandemia em todo o mundo, e aqui em Moçambique, poderia ameaçar a saúde sexual e reprodutiva de raparigas e mulheres, uma vez que a disponibilidade de planeamento familiar e outras mercadorias essenciais, incluindo itens de saúde menstrual, pode ser impactada à medida que as cadeias de suprimentos se tornam tensas.

Com restrições ao movimento, raparigas e mulheres menstruadas podem não ter acesso ou meios financeiros para comprar materiais básicos para gerir os seus períodos, ou ter privacidade limitada onde os banheiros não estão disponíveis. Sem a higiene menstrual adequada, particularmente em climas quentes e húmidos em todo Moçambique, raparigas e mulheres correm maior risco de infecções com impactos na sua saúde física, mental e o seu bem-estar.

Em resposta, o Governo de Moçambique, apoiado pelo UNFPA, o Fundo das Nações Unidas para a População, forneceu kits de dignidade para mais de 16,500 mulheres e raparigas (desde abril 2019) impactadas pelos ciclones de 2019 e agora estão se ajustar aos impactos da pandemia. Para Fátima, o kit de dignidade que recebeu veio num momento perfeito, pois ela contemplou como ia conseguir pensos menstruais quando a sua mãe agora não tinha uma renda estável.

Segundo Fátima, os pensos reutilizáveis nos kits são muito importantes, pois ela não precisará mais se preocupar em gerir o seu ciclo menstrual. Fátima diz que agora poderá sair de casa e não se preocupar mais em encontrar dinheiro para comprar produtos de higiene menstrual. Que simples, mas revolucionário! 

Adaptando-se aos desafios do COVID-19 e às limitações na movimentação e aquisição de material, o UNFPA e parceiros pilotarão um novo projeto de distribuição de e-vouchers de telemóvel para mulheres e raparigas, para que possam comprar os seus próprios materiais de higiene sanitária e menstrual. Inicialmente, 5,000 mulheres e raparigas em 3 províncias receberão os e-vouchers, com o objetivo de aumentar ao longo dos próximos meses.

"Esses kits são realmente kits de dignidade porque dão às raparigas, como eu, que perderam tudo, uma sensação de proteção. Para mim, dignidade também significa liberdade", compartilha a


​​​Fátima Hassan, 16 anos, e sua experiência com a higiene menstrual
em tempos de crise ©Alexandre Muianga/UNFPA Moçambique

adolescente.

Como mostra a história de Fátima, questões relacionadas à desigualdade de género, pobreza e crise humanitária podem transformar momentos de menstruação num momento de privação, luta e estigma. No entanto, algo como um penso menstrual, sabão e roupas íntimas, informação, recursos e apoio, proporciona um pouco de liberdade, escolha e auto-cuidado, o que é de enorme significado para mulheres e raparigas vulneráveis, não só em Moçambique, mas em todo o mundo.

Enquanto trabalhamos juntos para responder ao COVID-19 e celebrar o “Dia de Higiene Menstrual" 2020, vamos lembrar que os períodos não param para pandemias. Vamos continuar a defender os direitos das mulheres e raparigas e lembrar que algo tão natural quanto um período mensal e a necessidade de higiene menstrual continuada nunca devem ser comprometidos, mas sim cumpridos com privacidade, conforto, normalidade e dignidade.