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Marta* tinha 13 anos de idade quando a sua mãe lhe disse que teria de casar com um homem de 73 anos. Já não podendo pagar a educação de Marta, a sua mãe viu o casamento como a única solução, e quando Marta recusou, foi-lhe pedido que deixasse a sua casa. 

 

"Ela (a minha mãe) entrou, pegou nas minhas roupas... e expulsou-me de casa", partilha Marta. 

 

A história de Marta é uma como muitas num país com uma das mais altas taxas de casamento prematuro do mundo; quase 1 em 2 raparigas em Moçambique casam antes dos 18 anos de idade (DHS, 2011). 

O impacto do casamento infantil no bem-estar físico e mental das raparigas é alarmante, com dados globais a mostrar que as raparigas casadas engravidam frequentemente ainda na adolescência, aumentando o seu risco de complicações na gravidez e no parto, incluindo o risco de fístula obstétrica e mortalidade materna. O casamento infantil também afecta a autonomia corporal e a acção das raparigas para negociar práticas sexuais seguras, aumentando o risco de VIH/SIDA, bem como a violência, incluindo a violência sexual (UNFPA, Child Marriage Sectoral Issue Paper, 2022). 

"A principal causa é a pobreza. Os pais sujeitam a rapariga ao casamento infantil porque a vêem como um benefício", partilha Celia Manuel, Assistente Social do Serviço de Saúde, Mulher e Bem-Estar Social em Nampula, Moçambique.  A mentora juvenil Suraia Ministro observa também que, "para os pais, assim que a rapariga tem o seu primeiro ciclo menstrual e depois de completar os seus ritos de iniciação, eles pensam que ela está pronta para o casamento".

Com uma intervenção rápida, o futuro pré-determinado de Marta tomou um rumo diferente, pois ela tornou-se uma das aproximadamente 9.000 raparigas nas províncias de Nampula e Zambézia apoiadas pelo Programa Global para Acabar com o Casamento Infantil (GPECM) para continuar ou matricular-se novamente na escola, e evitar o casamento prematuro. 

"Depois de ter sido expulsa, ela [Marta] veio a minha casa e explicou a sua situação. Falámos com o líder da comunidade e com o gabinete de acção social. Finalmente, voltámos à casa da sua mãe. Ajudámo-la a compreender que não era correcto casar uma rapariga de 13 anos com um homem de 73 anos. Porque poderia arruinar o seu futuro", partilhou a mentora de Rapariga Biz, Suraia Ministro.

Raparigas como Marta recebem apoio de programas como o programa GPECM financiado por múltiplos doadores**, lançado em 2016 pelo UNFPA e UNICEF, e Rapariga Biz (RB), uma iniciativa conjunta do UNFPA, UNICEF, UNESCO e ONU Mulheres lançada em 2016 e financiada pelos Governos da Suécia e Canadá, que trabalham com o Governo de Moçambique e organizações da sociedade civil para fornecer o apoio necessário às mulheres e raparigas para evitar o casamento precoce e forçado. 

Este apoio inclui a formação de líderes e mentores da comunidade na prevenção e mitigação do casamento infantil. Desde o início dos programas, 5.600 mentoras formadas atingiram mais de 790.000 raparigas e mulheres jovens com mentoria pessoa para pessoa, incluindo conhecimentos em torno da sua saúde sexual e reprodutiva e direitos e habilidades para a vida. Os mentores também trabalham em estreita colaboração com líderes comunitários e religiosos, e autoridades locais para identificar casos. 

Outra mentora, como Anica, também treinada no âmbito do programa Rapariga Biz, partilha a sua motivação para ajudar outros a evitar experiências semelhantes:

"Engravidei quando tinha 17 anos. Depois de ter tido um filho, não estudei durante dois anos, porque estava na 11ª classe quando ele casou comigo. Quando dou as minhas sessões, as raparigas têm a possibilidade de seguir os meus conselhos. Estou muito contente porque, até este dia, nenhuma das raparigas das minhas sessões foi casada". 

 


Mentora do Rapariga Biz  - Anica - em Zambézia, Mozambique

A frequência escolar também tem um grande impacto na prevalência do casamento infantil, com dados do Censo de 2017 a mostrar que as raparigas entre os 15 e os 17 anos de idade que estavam na escola tinham 8 vezes menos probabilidades de casar quando crianças do que as raparigas que ou nunca frequentaram - ou abandonaram - a escola. 

"O casamento infantil é um efeito devastador da desigualdade de género, que ameaça todas as facetas da vida de uma rapariga, a sua saúde, a sua educação e o seu potencial para se tornar um actor influente do desenvolvimento social, económico, ambiental e político do seu país.  O UNFPA apoia todos os esforços das autoridades nacionais e da sociedade civil para que Moçambique seja um país onde todas as raparigas, particularmente as mais vulneráveis, sejam informadas e apoiadas para tomarem as suas próprias decisões sobre quando, se, e com quem escolhem casar", partilha Bérangère Boëll, Representante do UNFPA Moçambique.

Estando o casamento infantil estreitamente ligado à perda de oportunidades económicas e de emprego para raparigas adolescentes e mulheres jovens, o fim de tal prática é crucial para aliviar a pobreza e promover o desenvolvimento económico para as raparigas, suas famílias, comunidades e sociedades em geral. Ao fazê-lo, países, como Moçambique, podem colher os benefícios sociais e económicos de um dividendo demográfico. 

Para reduzir tais práticas nocivas em Moçambique, programas conjuntos como o RB e o GPECM fornecem o apoio necessário para incentivar as raparigas a ultrapassarem as barreiras de género, permitindo que indivíduos, como Marta, sejam os únicos responsáveis pela tomada de decisões nas suas vidas e se tornem agentes de mudança, como Anica, dentro das suas comunidades. 

Saiba mais sobre o Programa Global para Acabar com o Casamento de Crianças e a história de Marta, assistindo a um vídeo aqui

 

 


*Nome alterado para proteger a identidade do indivíduo

**Os doadores que financiam o GPECM incluem: Bélgica, Canadá, Países Baixos, Noruega, Reino Unido, Itália, Comissão Europeia através da Iniciativa Spotlight, e Zonta International