“Temos estado à espera de soluções e aplicações que facilitem a nossa autonomia e independência, o que significa, em certa medida, uma participação igualitária na sociedade.” diz Isaura Baptista, uma mulher com deficiência visual e integrante do grupo vencedor da maratona nacional denominada Hackability4Moz - Hackathon Deficiência e Inclusão que teve lugar no início deste ano.
Um hackathon é uma competição projetada para incentivar os participantes a aplicar seus conhecimentos, criatividade e habilidades para resolver um problema por meio de um software, como um aplicativo, que aborda o problema. Nesta Hackability4Moz, jovens desenvolvedores moçambicanos junto com pessoas com deficiência, foram desafiados a desenvolver soluções inovadoras para responder às barreiras habitualmente enfrentadas pelas pessoas com deficiência.
Situação da deficiência em Moçambique
O Censo Nacional da População de 2017 indica que existem mais de 700.000 pessoas com deficiência no país, mas é provável que o número seja muito maior. Grande parte destes são adolescentes e jovens que vivem nas zonas rurais onde os níveis de pobreza são mais elevados, os serviços de saúde, educação e outros a eles relacionados são bastantes escassos ou mesmo ausentes, o que faz com que elas se encontrem no grupo dos mais vulneráveis.
Várias estratégias têm sido desenvolvidas pelos diferentes actores sociais no sentido de promover a participação e o empoderamento das pessoas com deficiência, em particular dos jovens com deficiência. Entretanto o desafio é enorme visto que, se reporta o baixo nível de escolarização, o fraco nível de acesso ao mercado laboral, de fontes de rendimentos, de serviços, da habitação, de informação, de participação social e dificuldades de mobilidade. (Plano Nacional da área da Deficiência, PNAD II 2012 - 2019).
Desenvolvimento de soluções inclusivas - o processo
Trabalhando para enfrentar e superar desafios para pessoas com deficiência e compartilhar ideias e inovações conjuntas, 12 equipes se lançaram na corrida decididos em deixar a sua marca nesta incansável luta para “não deixar ninguém para trás”.
Entre as equipas concorrentes 3 delas se destacaram pela sua criatividade, inovação, adequação e sustentabilidade. Em primeiro lugar ficou um grupo que apresentou óculos que podem ajudar pessoas com deficiência visual a detectar objectos ou obstáculos acima da cintura e que não podem ser detectados pela bengala branca, como por exemplo, ramos de árvores que podem atingir a cabeça da pessoa. Este aplicativo chama-se Kuvona que significa visão em changana, língua materna falada no sul de Moçambique.
“Eu, como pessoa com deficiência visual, tenho enfrentado muitas dificuldades na minha caminhada, uma vez que não sei quando vou encontrar um ramo de árvore, espelhos de carro mal-estacionados que podem me magoar, e muito mais. O Kuvona vai ajudar-me a deslocar-me para onde eu quiser, porque vou dizer ao dispositivo ‘quero ir para lugar X ou Y’ e vai mostrar-me os percursos dizendo ‘vire à esquerda, vire à direita, agora pare’, e muito mais,” diz a Isaura Baptista.
O segundo lugar foi ocupado por jovens que apresentaram um website onde se pode obter informações em relação à acessibilidade dos locais em Moçambique e ao mesmo tempo partilhar histórias de sucesso, denúncias e pedidos de apoio.
O grupo que ficou em terceiro lugar desenvolveu um aplicativo em que através dum telefone é possível ligar para um intérprete de língua de sinais e obter interpretação em tempo real. Por exemplo, a pessoa com deficiência auditiva vai ao médico e usa o aplicativo para explicar os sintomas ao intérprete por língua de sinais, e este por sua vez, faz a tradução para o provedor.
Finalização e lançamento dos aplicativos/soluções – abertura para novas oportunidades
Após vencerem a maratona, as 3 equipas dedicaram-se por mais de 3 meses no aperfeiçoamento e finalização de seus aplicativos/soluções, e depois apresentaram seus aplicativos para diversas instituições do Governo e da sociedade civil.
“Gosto de inovar, de desenvolver soluções tecnológicas. Criei muitos projectos que estão guardados em casa à espera de uma oportunidade para mostrar ao mundo. Foi o que aconteceu com a solução que apresentámos na maratona da Hackathon sobre Deficiência e Inclusão. Foi uma oportunidade única porque a solução já existia, apenas, precisava que alguma porta fosse aberta,” partilhou o Carlos Monjane, um dos integrantes da equipa, The Blessed.
“Estas soluções vêm para ajudar as pessoas com deficiência uma vez que, pretendem garantir a ligação entre as pessoas e os provedores de serviços. É um bom passo para a inclusão das pessoas com deficiência,” disse Hélio Munguambe, Vice-presidente do FAMOD.
O UNFPA, através dos seus parceiros de implementação e juntamente com o Governo, estão empenhados em aumentar a inovação que promove, protege e reforça os direitos humanos básicos das pessoas com deficiência que melhoram o seu acesso a serviços e informações essenciais, em áreas que vão desde a saúde à capacitação dos jovens e à prevenção e resposta à violência baseada no género. Inovação e novas aplicações, desenvolvidas e demonstradas através de iniciativas como a Hackathon4Moz demonstram a oportunidade de reduzir as desigualdades e limitações, e criar soluções dinâmicas que satisfaçam as necessidades, preocupações, e aspirações das pessoas com deficiência.
¹A maratona Hackability4Moz resultou da parceria entre o UNFPA; a Associazione Italiana Amici di Raoul Follereau (AIFO); o Fórum das Associações Moçambicanas de Pessoas com Deficiência (FAMOD); o Centro de Informática da Universidade Eduardo Mondlane (CIUEM); e contou com o apoio financeiro do Governo da Espanha no âmbito do programa WE DECIDE, uma iniciativa emblemática global do UNFPA focada em inovar, defender e assegurar que as mulheres e os jovens com deficiência em toda a parte sejam livres da violência e discriminação, e capazes de exercer os seus direitos e sua saúde sexual e reprodutiva.