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Editorial de opinião de Justine Coulson (UNFPA), Roberta Clarke (UN Women) e Mohamed M. Fall (UNICEF).

 

Esta peça foi publicada no Jornal Noticas - edição de 16 de Junho

A aprovação de leis para acabar com o casamento infantil resultou no bloqueio de milhares de casamentos infantis e numa segunda chance de educação para as raparigas. No entanto, esses ganhos obtidos ao longo dos anos estão em risco na era da COVID-19.

No Malawi, devido a casos levados a tribunal, casamentos infantis foram anulados e as raparigas tiveram a oportunidade de voltar à escola. Menos adolescentes sofreram mutilação genital feminina (MGF) em comparação com as gerações mais velhas. Na Etiópia, por exemplo, 47% das raparigas  de 15 a 19 anos passaram por MGF, em comparação com 75% das mulheres de 35 a 49 anos. A mesma tendência foi observada no casamento infantil, com um declínio de 58% das mulheres de 25 a 49 anos, em comparação com 40% das mulheres de 20 a 24 anos.

Essas mudanças foram apoiadas por programas conjuntos globais e regionais das Nações Unidas (ONU), incluindo a Iniciativa Spotlight da ONU e da União Europeia para eliminar a violência contra mulheres, raparigas e práticas nocivas, como casamento infantil e MGF.

No entanto, crises de saúde como o Ébola e agora a crise COVID-19 minam as estratégias para acabar com a violência sexual e baseada no género (VBG) e outras práticas prejudiciais e representam uma séria ameaça ao progresso significativo da última década. Perdas de meios de subsistência, interrupção de redes de apoio social  e testemunhamos uma redução no acesso a informações e serviços de saúde reprodutiva. Isso resultará inevitavelmente num aumento de gravidezes indesejadas, casamento infantil, evasão escolar e, às vezes, mortalidade materna.

Na África Oriental e Austral, há relatos de aumentos nos incidentes de violência sexual e baseada no género, incluindo casamento infantil e MGF. Os países da região, já classificados como os mais pobres e desiguais do mundo, estão a enfrentar ainda mais os efeitos da pandemia, com as comunidades afundando ainda mais na pobreza. Nesses lares financeiramente frágeis, é provável que haja aumento de trabalho infantil e de exploração sexual e abuso de mulheres e raparigas a menos que sejam prevenidos.

Mulheres e raparigas presas nas suas casas com os seus agressores são isoladas dos serviços e recursos. Além disso, a redução das redes de apoio de pares aumenta o isolamento social e a vulnerabilidade das raparigas. As projeções estimam que 31 milhões de casos adicionais de violência baseada no género vão ocorrer globalmente se o confinamento   continuar por pelo menos seis meses.

Entre as mais vulneráveis, estão raparigas adolescentes de 10 a 19 anos com habilidades limitadas de negociação dentro da família. Muitas, provavelmente serão vítimas de casamento infantil; uma prática para reduzir a carga económica da família e aumentar a renda por meio do preço do dote e da noiva.

Os confinamentos suspenderam escolas temporariamente e outros espaços seguros para raparigas e bloquearam o acesso a programas de orientação. O encerramento generalizado das escolas interrompeu a educação de mais de 1 bilião de crianças em todo o mundo, expondo as raparigas a um maior risco de VBG, casamento infantil, MGF, gravidez indesejada e infecção pelo HIV.

Mesmo antes da pandemia, as raparigas adolescentes já eram deixadas para trás. Com a crise de hoje, as desigualdades de género pré-existentes exacerbam a sua vulnerabilidade. As raparigas precisam regressar  à escola para concluir os seus estudos e criar para si um futuro empoderado. Após a COVID-19, as famílias podem precisar de um apoio financeiro, e os países precisam fazer os investimentos certos nos jovens. A educação das raparigas, a educação de segunda chance para sobreviventes da VBG, o casamento infantil e o dividendo demográfico devem ser a prioridade dos governos nos esforços de reconstrução.

Deixar de prestar atenção especial às necessidades específicas de mulheres e raparigas em tempos de crise prejudicará os seus direitos básicos. É imperativo que os esforços e programas de políticas públicas para a eliminação do casamento infantil e da MGF sejam implementados durante e depois da pandemia. Isso significa investimento contínuo em recursos compatíveis com as necessidades das raparigas mais vulneráveis e deixadas para trás - na prevenção, educação, serviços e proteção que salvam vidas e SSRD e VBG.

O UNFPA, a UNICEF e a ONU Mulheres permanecem fortemente comprometidos em trabalhar com governos e todas as partes interessadas para construir sociedades onde mulheres e raparigas estejam livres de violência e toda forma de discriminação até 2030. Quando mulheres e raparigas puderem ter acesso às informações e apoio corretos e quando os governos priorizarem o acesso aos serviços e ao sistema de justiça, as comunidades vão prosperar.

Justine Coulson é Diretora Regional Interina do UNFPA na África Oriental e Austral; Roberta Clarke, é Conselheira Sénior e Diretora Regional Interina da ONU Mulheres, África Oriental e Austral, enquanto Mohamed M Fall @MohamedFall é Diretor Regional da UNICEF na África Oriental e Austral.