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Este artigo foi publicado pela primeira vez no Project Syndicate

MAPUTO – Atualmente, Moçambique surge muitas vezes na primeira página de jornais internacionais devido aos frequentes ciclones e ao agravamento do conflito no norte do país. Mas, tal como as economias do sudeste asiático nas décadas de 1980 e 1990, o país tem a hipótese de aproveitar uma janela de oportunidade demográfica, estimular o crescimento económico e manter uma força de trabalho considerável de classe média. Cumprir esta promessa e evitar resultados menos favoráveis ​​exigirá um rápido investimento em grande escala nos jovens de Moçambique.

Com a fertilidade a diminuir apenas gradualmente, prevê-se que a população de Moçambique duplique até 2050, para 60 milhões, dos quais 55% terão menos de 25 anos de idade. Mas Moçambique ainda está longe de aproveitar a sua oportunidade demográfica, porque o crescimento populacional continua a ultrapassar a expansão da educação e as possibilidades de emprego para os jovens. O Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA, sigla em inglês) estima que o número de jovens entre os 15 e os 24 anos de idade que não trabalhava nem estudava aumentou um milhão – mais do dobro, portanto – na década entre os censos de 2007 e 2017.

Mas com a combinação certa de políticas, Moçambique pode acelerar a sua transição demográfica e obter grandes e sustentáveis ​​dividendos económicos. Especificamente, enfatizar simultaneamente as reformas económicas orientadas para o trabalho e os investimentos no planeamento familiar e na educação poderiam resultar num PIB per capita de mais de oito mil dólares até 2051, semelhante ao de um país de rendimento médio superior como a África do Sul ou a Namíbia. Em comparação com esse resultado, um quadro empresarial do tipo “é o habitual” sem esses investimentos custaria ao país seis mil dólares per capita em PIB perdido. Moçambique também enfrentaria os custos económicos e sociais associados a uma dívida pública mais elevada, pressão adicional sobre um sistema de saúde já sobrecarregado, menor produtividade e maior desemprego entre os jovens.


 Raparigas comemoram o Dia Internacional da Juventude em Cabo Delgado.
Foto: © UNFPA Moçambique / Mbuto Machili

 

A urbanização impulsionada pelos jovens será crucial para as perspetivas futuras de Moçambique.

A urbanização impulsionada pelos jovens será crucial para as perspetivas futuras de Moçambique. A urbanização, principalmente se for combinada com atribuição de recursos e infraestruturas adequados e bem planeados, pode tornar os países mais ricos. É também um fator essencial na transição demográfica de Moçambique, com a taxa de fertilidade já a diminuir a um ritmo muito mais rápido nas áreas urbanas, para 3,6 filhos por mulher, do que nas partes rurais do país, onde permanece em 6,1 filhos por mulher.

O governo tem de investir fortemente nos jovens agora, para colher os benefícios a longo prazo. O aumento dos gastos com a saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes será decisiva. Os investimentos que criam procura por esses serviços têm de ser complementados com um aumento simultâneo da respetiva oferta, que resista às tendências e choques, desde a urbanização até aos desastres climáticos, que continuam a afetar o país.

A educação sexual e de saúde reprodutiva é fundamental para gerar procura por serviços tais como o planeamento familiar. A educação sexual abrangente nas escolas levou ao aumento da contraceção e ao uso de preservativos, e ao adiamento da primeira relação sexual, entre outros resultados notáveis. Mas os governantes precisam de considerar as formas baseadas na tecnologia ou outras formas inovadoras de fornecer essa educação de forma rápida e eficaz. 

Desde 2019, os jovens criadores moçambicanos da aplicação móvel Dika disponibilizam informações geoespaciais sobre serviços favoráveis aos jovens e dicas oportunas relacionadas com a saúde sexual e reprodutiva. A Dika é uma inovação que ampliou os seus serviços em 2020 para incorporar conteúdos relacionados com a COVID-19, desenvolvido por e para jovens, para ajudar a nivelar a curva de infeções de Moçambique.

Mas a alfabetização digital continua baixa. Apenas 7% da população moçambicana – 15% nas áreas urbanas e 2% nas regiões rurais – usa regularmente a Internet. E apenas 22% das mulheres têm acesso a um telemóvel.

No entanto, existem várias formas inovadoras de alargar a distribuição de serviços de saúde reprodutiva. Isso inclui o uso de drones ou cadeias de abastecimento do setor privado para fornecer produtos médicos, aumentar o uso da telemedicina através de soluções baseadas em TI, como inteligência artificial, e tornar os contracetivos injetáveis ​​mais amplamente disponíveis.

Em Moçambique, o UNFPA está a apoiar os esforços para se alargar o acesso aos métodos de planeamento familiar modernos, em particular as injeções contracetivas que as raparigas que estejam em áreas de difícil acesso podem administrar com facilidade e segurança. É provável que esta iniciativa tenha sucesso, tendo em conta que 45% das utilizadoras de contracetivos modernos em Moçambique já usam injetáveis – uma opção muito mais popular e discreta do que a pílula ou implantes. 

Os dados – desagregados por idade e género – permanecem vitais para o desenvolvimento de um sistema de saúde mais recetivo aos jovens e resiliente.

Por último, os dados – desagregados por idade e género – permanecem vitais para o desenvolvimento de um sistema de saúde mais recetivo aos jovens e resiliente. Num país onde o casamento e a atividade sexual podem começar aos dez anos de idade, e onde mais de uma em cada três raparigas entre os 15 e 19 anos de idade deu à luz pelo menos um filho, a falta de dados desagregados pode tornar as raparigas e os jovens invisíveis.

As projeções da ONU mostram que a procura de contracetivos em Moçambique excederá os cinco milhões de utilizadores, até 2030. Apesar dos avanços do país para reduzir a necessidade insatisfeita de planeamento familiar, os cortes de financiamento global recentemente anunciados para a UNFPA Supplies – a principal parceria da agência para produtos de saúde reprodutiva, incluindo preservativos e implantes contracetivos para o planeamento familiar – são preocupantes.

Estes cortes de financiamento aumentam a lacuna que existe para os produtos de planeamento familiar no país. Com base na situação geral de financiamento para contracetivos em Moçambique, em meados de junho, o UNFPA estima (usando dados de Planeamento Familiar de 2020) que a redução de utilizadores de contracetivos nos próximos três anos poderá resultar em mais de 177 mil abortos pouco seguros e 1800 mortes maternas.

À medida que Moçambique vai entrando numa década potencialmente transformadora, é vital olhar para a demografia do país não apenas como uma oportunidade de desenvolvimento económico, mas também em termos das perspetivas de vida das raparigas adolescentes. Isso começa com o seu acesso equitativo aos serviços de saúde sexual e reprodutiva e, portanto, com a sua capacidade de tomarem as rédeas dos respetivos corpos e futuros.

Alcançar estas metas exigirá investimentos articulados, inovação e novas formas de parcerias. A crescente população jovem de Moçambique está numa corrida contra o tempo. Desbloquear o seu potencial – acima de tudo através da redução da sua taxa de fertilidade – pode abrir caminho para enormes ganhos socioeconómicos, tal como aconteceu noutras partes de África e além.

Andrea M. Wojnar, representante do Fundo das Nações Unidas para a População por Moçambique, é ex-representante do UNFPA no Senegal e diretora nacional da Gâmbia.

Copyright: Project Syndicate, 2021.
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