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Opinião editorial de Andrea Wojnar, Representante Residente do UNFPA em Moçambique

Artigo publicado no Jornal Noticias - edição de 15 de Março de 2021.

Tina, 30 anos e grávida, correu com quatro filhos para a escola secundária mais próxima quando o ciclone Idai aterrou. Sarafina, 22, mudou-se para um campo de reassentamento depois que a sua casa foi destruída pelas enchentes que se seguiram. Domingas, 23, decidiu ajudar as enfermeiras da clínica Mafambise como ela pudesse. Laura, de 34 anos, grávida do seu quarto filho, usou o seu tempo nos campos de deslocados para educar as mulheres sobre saúde sexual e reprodutiva.

Conheci muitas dessas mulheres logo após o Ciclone Idai, e as suas histórias nunca me deixaram. Embora os seus relatos pessoais fossem angustiantes, a sua força e resiliência inspiraram-me. Eu sabia, no entanto, que morando na província de Sofala no centro de Moçambique - uma área de baixa altitude sujeita a desastres climáticos e inundações subsequentes - que este desastre não seria o último.

Já se passaram dois anos desde que o ciclone Idai atingiu a Beira, e os cálculos mostraram que quase 75.000 mulheres afetadas por enchentes e ciclones estavam grávidas, mais da metade das quais dariam à luz nos seis meses seguintes.

Com a ameaça emergente da mudança climática, o número de mulheres e raparigas afetadas pelas crises climáticas aumentou substancialmente, principalmente devido às enchentes, ventos fortes e ciclones que assolaram a área desde então. Mulheres e raparigas já suportam o peso das crises - e a crise climática não é exceção.

Considerado como 'o novo futuro', globalmente e aqui em Moçambique, não podemos ignorar a presença crescente e os impactos das mudanças climáticas sobre os direitos, saúde, proteção e bem-estar de mulheres e raparigas.

O calor piora os resultados de saúde materna e neonatal, com pesquisas globais sugerindo que um aumento de um grau Celsius na semana antes do parto corresponde a uma probabilidade seis por cento maior de natimorto (UNFPA e a crise climática, 2020). 

A mudança climática é uma grande ameaça à visão do desenvolvimento sustentável centrado no ser humano, agrava as vulnerabilidades de saúde existentes e ameaça a proteção e a realização dos direitos humanos, especialmente para os mais vulneráveis e frequentemente deixados para trás.

Em resposta a esses ambientes em mudança, todos aqueles que responderam tiveram que se adaptar; focados coletivamente na construção da resiliência de mulheres e raparigas e no fortalecimento dos sistemas de saúde em resposta não a "se", mas a "quando" o próximo desastre natural ocorrer.

Quando o ciclone Idai atingiu Moçambique em março de 2019, mais de 90 unidades de saúde na parte central do país foram danificadas ou destruídas - impactando gravemente o acesso aos serviços de saúde e produtos que salvam vidas, incluindo a contraceptivos.

Isso, por sua vez, aumenta muito a probabilidade de morte materna sem acesso a cuidados que salvam vidas ou gravidezes indesejadas e não planeadas. Para mitigar estes riscos,e reconhecendo os desafios no acesso, clínicas móveis lideradas pelo Governo prestaram atendimento sexual e reprodutivo à distância a 68.000 mulheres e raparigas adolescentes.

Dois anos depois, o trabalho na província de Sofala continua a responder a desastres novos e emergentes - é vital continuarmos a investir na recuperação e resiliência. 

A resiliência climática deve ser focada nos direitos, sensível ao género e centrada nas pessoas - com mulheres e raparigas saudáveis e com poder liderando a ação.

Através do desenvolvimento de 18 espaços seguros, estou orgulhosa que centenas de mulheres foram treinadas para produzir produtos de panificação, tapetes e máscaras faciais para proporcionar uma pequena renda para as suas famílias - tudo isso evitando a propagação da COVID-19. 

Vamos usar o aniversário do Ciclone Idai para lembrar das mulheres como Tina ou Laura, que enfrentaram desafios únicos de género, como mães, mulheres grávidas, cuidadoras primárias, no meio de um desastre natural. 

É vital continuarmos a trabalhar juntos para garantir que investimos na resiliência de mulheres e raparigas, para que a mudança climática não se torne um catalisador para empurrar as mulheres e raparigas ainda mais para trás.